A aceleração e a transformação digital dos bancos durante o período da pandemia têm sido amplamente observadas, analisadas e registradas através de vários indicadores que apontam o aumento exponencial do número de usuários e transações realizadas nos canais digitais, apps de bancos e fintechs.
Não é exagero repetir que a pandemia do COVID-19 terá feito mais pela transformação digital de muitos personagens do setor financeiro do que os programas e projetos de digitalização que estavam em andamento no início de 2020. Porém, as instituições financeiras não podem continuar planejando seus projetos de transformação digital olhando para o passado recente. Neste momento, é necessário saber duas das tendências mais importantes e emergentes da atualidade, que incluem a capacidade de inovar rapidamente e em escala e a capacidade de humanizar as experiências digitais.
No período pré-pandemia, o setor bancário apresentava um modo essencialmente passivo em relação à mudança e à inovação porque a tendência de transformação tecnológica em curso tinha como objetivos principais a redução de custos, a proteção e segurança de sistemas, a resposta a novas regulamentações e a identificação de novas fontes de receitas, que derivavam de um contexto macroeconômico de crise financeira, baixas taxas de juros e custos operacionais desequilibrados. A transformação digital, em andamento, incluía mudanças em sistemas, processos, produtos e experiências de uso do cliente, representando repetições e evoluções daquilo que já era considerado existente e tradicional no mundo físico. O resultado foi um setor financeiro sem diferencial, que levou ao bem-sucedido aparecimento de muitas fintechs e verdadeiros bancos digitais (neo-banks), que ganharam parcela do mercado de forma muito rápida, sobretudo no segmento juvenil e na cultura digital.
Este paradigma mudou radicalmente com a pandemia, ficando evidente que os bancos precisavam reagir, pois não estavam preparados para substituir as fintechs e responder às novas oportunidades do mercado digital. Em Portugal, presenciamos muitas iniciativas proativas e inovadoras, com novos serviços e produtos online, alguns deles alavancados com vantagens da plataforma do Open Banking da SIBS ou em parcerias com novos players no mundo dos pagamentos, como a Apple Pay ou a Revolut.
Em 2022, continuamos identificando a existência de muitos desafios, que com o crescimento muito significativo dos clientes ativos, levou ao aumento da pressão sobre os bancos. A questão é: como gerir esta “nova relação” e corresponder às novas oportunidades de negócio e expectativas?
1. Mudança dos comportamentos e hábitos bancários dos clientes: a maior digitalização dos bancos, a oferta das fintechs e os clientes das novas “gerações digitais” conduziram uma profunda mudança de comportamentos, hábitos e expectativas dos clientes individuais e empresariais. Por isso, não faz sentido a existência, em muitos percursos de clientes individuais e sobretudo empresariais, de processos físicos e manuais, cheios de documentos para assinar e rubricar e que, em paralelo, incluem assinaturas em tablets. Resumindo, esses “pseudo processos digitais” ainda encontram-se numa omnicanalidade deficitária.
2. Segurança: é um dos desafios mais significativos para os bancos online, considerando o atual contexto de aumento e visibilidade de ataques cibernéticos, que podem contribuir para o aumento da desconfiança e insegurança dos clientes. Embora os sistemas bancários sejam projetados para serem praticamente impenetráveis, essas atividades ainda são uma realidade e, em muitas situações, são os próprios clientes que não percebem que os seus hábitos online podem colocá-los em risco; sendo que nesse caso os bancos terão papel decisivo no aumento da literacia digital.
3. Questões técnicas: a digitalização dos bancos e o seu posicionamento online criaram a expectativa do “Anytime, Anywhere”, mas sempre que usamos a Internet corremos o risco de sofrermos interrupções de serviços, pois a estabilidade e a eficiência dos sistemas podem afetar as suas capacidades de acesso. Assim, também não importa o grau de sofisticação da tecnologia usada nos canais digitais, se as arquiteturas de sistema com os aplicativos legados ainda não permitirem a exploração total do potencial dos serviços bancários.
Nesse sentido, os bancos deverão saber administrar de forma adequada a comunicação e a relação com clientes, a respeito de potenciais falhas de disponibilidade de serviços online ou presenciais.
4. Falta de relacionamento pessoal
Atualmente, o cenário ideal passará por uma combinação de serviços bancários online para as necessidades transacionais do dia-a-dia e o relacionamento pessoal com as equipes do banco para ajudar os clientes a encontrarem as soluções certas para as suas necessidades financeiras globais, mais complexas e personalizadas.
Contudo, esse cenário ideal ainda não existe e o desafio inclui humanizar e personalizar o digital, porque a essência da transformação digital ocorrida se concentrou no funcionalmente correto e na eficiência, descuidando da vertente emocional da relação de confiança do serviço.
Muitas instituições já compreenderam esse desafio e estão investindo nesse âmbito, trazendo “humanidade” aos bancos online, com o objetivo de criar operações perfeitas e experiências excelentes.
Muitos exemplos dessa humanização digital incluem o aumento da personalização das soluções e a crescente disponibilização de sugestões e recomendações proativas e personalizadas. A tecnologia por si só nunca tornará os bancos melhores, pois as novas tecnologias em análise avançada de dados, automação robótica, Machine Learning, Inteligência Artificial e Bots só terão resultados se as equipes de liderança dos bancos concordarem em repensar, no contexto do mundo digital, os modelos de negócio e os modelos operacionais end-to-end (desde o UX / Service Design, Interaction Design, até a integração e a implementação em modo Agile e Gestão da Mudança).
5. Mudança do cenário bancário
A urgência das fintechs e de novos players no setor financeiro, aumentou consideravelmente a concorrência, deixando muitas instituições tradicionais atrasadas em matéria de transformação digital. No entanto, elas terão mais vantagens se aliarem a sua capacidade tradicional de gestão da regulamentação e segurança com a capacidade de estabelecimento de parcerias com essas fintechs.
Existe, porém, um conjunto de “novos bancos”, denominados de neobanks, que ao oferecer soluções bancárias simplificadas, registraram uma adesão impressionante de novos clientes, sendo considerados mais ágeis e transparentes, tendo abraçado totalmente o poder do digital para oferecer uma experiência bancária perfeita por um preço muito competitivo ou, em muitos casos, com pouca ou nenhuma comissão. Eles representam uma concorrência substancial para os bancos tradicionais, dado que considerar apenas o componente dos bancos online já não é suficiente.
Em suma, os bancos líderes dessa transformação digital serão aqueles que responderem de forma estratégica a esses desafios e que tiverem a capacidade para fazer o melhor trabalho de arrecadação, tratamento e gestão de dados, e em especial, aqueles que conseguirem extrair os melhores insights desses dados, cumprindo em paralelo, os requisitos exigidos de privacidade e proteção.
Os dados permitirão a personalização em massa das ofertas de produtos e serviços, revelando ser uma das principais tendências digitais do futuro.
Além disso, os bancos terão que lidar com a luta pelo talento, não só na aquisição de novas competências, mas na requalificação da força de trabalho atual e no estabelecimento de parcerias com prestadores especializados de serviços.
Por último, todos esses desafios só terão resultado se a cultura for repensada para um novo ambiente de trabalho híbrido e colaborativo, onde o banco aposte mais do que apenas nos métodos tradicionais de compensação e benefícios.
Ricardo Rodrigo
Especialista em Bancos da askblue